O que se espera do titular da Fazenda é a ação firme que o cargo exige, obrigando-o a abrir arestas políticas e, ao mesmo tempo, agir com sabedoria de um bom apóstolo.
O governo Lula, que patina com tibieza na economia, tem hoje um encontro com a verdade, o que pode significar uma mudança de rota em seu mandato ou a permanência da insegurança que afeta os mercados, pressiona os juros futuros e põe mais lenha na fogueira no apertado mercado de crédito privado, impactado pela traquinagem da Americanas.
A reoneração dos combustíveis está longe de ser algo tão relevante nas contas públicas, considerando que neste ano, no melhor cenário, o déficit primário será da ordem de 1% do PIB. Não se trata de uma conta de cabeça de planilha, de economistas e consultores que passam ao largo do gravíssimo e crescente conflito distributivo para fazer uma homenagem ao grande economista Paul Singer, um ícone do pensamento desenvolvimentista.
A volta da cobrança do PIS/Cofins sobre os combustíveis, que terá um impacto marginal na inflação, se impõe como responsabilidade fiscal. Lula precisa decidir quem manda: se é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, favorável ao retorno da cobrança dos tributos, ou se a troupe do PT, que tem uma visão rudimentar dos fundamentos da economia, arroubos em demasia e nenhuma responsabilidade com os rumos do país. É uma turma que ainda não saiu do palanque, a começar por Gleisi Hoffmann, presidente do partido.
Será que Haddad será a viúva confiante, que acorda em uma manhã de verão e descobre que aquele rapaz encantador e todas as suas economias sumiram? A observação cáustica é da jornalista e escritora Janel Malcolm, autora do clássico “O Jornalista e o Assassino”, que trata de uma impiedosa análise entre jornalistas e seus entrevistados. Malcolm foi um ícone da profissão, tendo feito ensaios de grande profundidade para a revista “New Yorker”.
O que se espera do titular da Fazenda é a ação firme que o cargo exige, obrigando-o a abrir arestas políticas e, ao mesmo tempo, agir com sabedoria de um bom apóstolo para convencer o seu chefe de que a responsabilidade fiscal combina com um projeto de desenvolvimento econômico sustentável. Não existe qualquer contradição entre gastar bem, poupar com proficiência e rumar para o crescimento, especialmente no momento em que o segundo semestre pode provocar uma recessão na economia brasileira em razão da crise mundial, acrescida da continuidade da Guerra na Ucrânia. Até o Conselheiro Acácio, personagem de Machado Assis, saberia disso. Acácio era o rei das obviedades, de fazer inveja ao óbvio ululante do escritor Nelson Rodrigues.
Os números da reoneração são ridículos frente a um PIB de R$ 9,8 trilhões e a um gasto apenas com juros — os ricos e a classe média alta são os mais beneficiados — da ordem de R$ 650 bilhões, neste ano. O impacto para a gasolina e o álcool é estimado em R$ 3 bilhões por mês. Esta perda de receita de impostos federais supera os gastos com o reajuste do salário mínimo e da faixa de isenção de Imposto de Renda, somados.
O importante é o sinal a ser dado hoje pelo governo em que o presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates, com uma importante passagem pelo setor privado, terá um papel-chave na reoneração, isolando vozes que podem atrapalhar o projeto político do presidente Lula e, com isso, fortalecer o habilidoso deputado Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, que assiste de camarote o filme da viúva confiante. Não custa lembrar que, por ora, o rombo nas contas públicas está previsto em R$ 230 bilhões em 2023. Algo alarmante.
A mudança de rota está nas mãos de Lula com o fortalecimento do seu ministro da Fazenda. FHC e Lula em seus dois mandatos foram protagonistas em ricochetear a crise sem dar margem de manobra a seus bolsões radicais e às conhecidas e rotineiras intrigas palacianas. Ambos souberam fortalecer, na medida certa, os seus auxiliares na Fazenda e demais autoridades econômicas. Não brincaram de pique esconde.
Espera-se que Lula 3 tenha a mesma sabedoria para não pôr em risco o seu legado do período de forte expansão com inclusão social, entre 2003 e 2010. Ao contrário do que pensa o presidente da República, o bem-sucedido modelo do passado não é uma garantia no porvir, especialmente no quesito da responsabilidade fiscal.
Não se trata de um mantra, apenas de uma constatação da engrenagem da economia capitalista com forte ingrediente da moderna social democracia em contraposição a um obsoleto modelo liberal.
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