O que pensam Rogério Boueri e Manoel Pires sobre os rumos da economia

A pedido da coluna, ambos responderam a questões por WhatsApp, em um rápido pinga-fogo. Confira

Os economistas Rogério Boueri e Manoel Pires não conviveram profissionalmente com o ciclo militar, muito menos com o período conturbado do governo Figueiredo (1979-1985) em que o Brasil, sob o comando de Delfim Netto, é engolfado pela crise da dívida externa, recessão e uma política econômica torta. É dessa época que nasce o desemprego estrutural, um dos grandes dilemas do país. Boueri e Pires têm visões divergentes sobre a economia, mas em comum possuem dois predicados essenciais na profissão: rigor técnico e honestidade intelectual. Boueri, Assessor Especial de Estudos Econômicos do Ministério da Economia, tem uma longa passagem pelo IPEA, cursou a EPGE da FGV e concluiu o doutorado pela Universidade de Maryland, em College Park (EUA).  Tem como referências o ex-ministro Roberto Campos e os grandes economistas Thomas Sargent, Robert Lucas e Milton Friedman. Os dois últimos são oriundos da Universidade de Chicago, onde o seu chefe fez o doutorado. Boueri, que descende de libaneses maronitas, é um homem pragmático e defensor radical de políticas públicas que erradiquem a miséria, desde que sejam movidas pelo ideário liberal. Boueri foi atleta corredor e, aos 17 anos, bateu o recorde do futuro campeão olímpico Joaquim Cruz. É alvinegro e hoje reside em Brasília.

Manoel Pires tinha oito anos quando foi editado o Plano Cruzado, em 1986. Ali decidiu ser economista – hoje é o coordenador do Observatório de Politica Fiscal do FGV IBRE e professor da Universidade de Brasília. Depois de sair da escola, ajudava o pai em uma papelaria em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. No pequeno comércio, usava uma máquina muito comum à época da superinflação: a etiquetadora de preços. Pires ocupou cargos de assessoria econômica nos governos Lula a Dilma 2. Além de Keynes, tem como referência os grandes economistas James Tobin e Paul Krugman. Costuma dizer que, no Brasil, Nelson Barbosa e Luiz Guilherme Schymura, pensam fora da caixa e o tiram da zona de conforto.  Pires é tricolor de carteirinha, desses que adoram curtir uma vitória sobre o rival Flamengo, mas é respeitoso quando o tema sai do futebol, a ponto de ouvir todas as opiniões divergentes com a paciência dos deuses. Boueri, por um curto período, trabalhou vinculado a ele. Embora ambos tenham divergências, eles acreditam que o Brasil tem solução e todas as condições para a construção de uma nação robusta e com distribuição de renda justa, sem uma política populista.

A pedido da coluna, ambos responderam a questões por WhatsApp, em um rápido pinga-fogo. Para sair da obviedade, não houve perguntas sobre inflação – projetada em 8% para este ano –, nem sobre taxa de desemprego – previsão acima de 10% –, temas que aparecem por minuto na mídia. O curto-prazismo – para usar um neologismo de Pedro Malan – não interessa à coluna.

Por que economistas e instituições de renome, como o FGV IBRE, afirmam que o segundo semestre será pautado pelo desaquecimento, o que pode comprometer bastante o desempenho do PIB?

ROGÉRIO BOUERI

Embora não tenhamos acesso aos modelos e às hipóteses de instituições do mercado para dar explicações detalhadas sobre as projeções citadas, verifica-se que diversos analistas expressam preocupações com o impacto da política monetária na atividade no segundo semestre.

Entretanto, cabe destacar que, pelo terceiro ano seguido e como ocorreu novamente no início deste ano, as projeções da mediana de mercado se aproximaram das estimativas da SPE (Secretaria de Política Econômica) no período de maior incerteza. Essa discussão tem paralelo com a que ocorreu no começo do ano passado, quando a política fiscal foi significativamente contracionista e o mercado sugeriu que no início de 2021 poderia ter uma recessão devido ao “fiscal Cliff”. A SPE se mostrou contrária a esse cenário quando houve o ajuste fiscal e, atualmente, acreditamos que os efeitos do ajuste da política monetária, que em parte já são percebidos, não serão tão negativos conforme sugerido por muitos analistas. Presume-se que a principal divergência são os impactos positivos na oferta das reformas pró-mercado e da consolidação fiscal.

MANOEL PIRES

Houve um pessimismo exagerado no final do ano passado porque a economia desacelerou de forma expressiva e por conta da mudança do teto de gastos, um evento claramente superestimado pelo mercado. No começo deste ano, as revisões para o PIB ocorreram para cima porque o processo de normalização da pandemia se acelerou, a crise hídrica ficou para trás e as commodities se recuperaram. Quando se olha para a frente a percepção é de que existem riscos elevados de uma desaceleração global na Europa e nos EUA e, no plano doméstico, a normalização da pandemia perderá força, a inflação está muito alta e persistirá por mais tempo, os estímulos fiscais estão mais limitados e as eleições sempre criam algum tipo de incerteza em um contexto de contração monetária. Isso puxa a projeção de PIB para baixo inequivocamente.

A expansão no primeiro trimestre, ainda que ligeiramente abaixo da do mercado, garante uma expansão positiva para 2022 devido ao efeito do carry over?

RB
O crescimento de 1,0% na margem no primeiro trimestre foi superior ao projetado pelo governo federal (0,8%) e pelo último dado disponível do consenso de mercado coletado pelo Focus em 29/04 (0,5%). Dessa forma, o carregamento estatístico (carry over) para este ano é de 1,5%, ou seja, se não houver crescimento do segundo ao quarto trimestre deste ano, o PIB crescerá 1,5%.

MP
Devemos ter um crescimento positivo da ordem de 1,5% a 2%, neste ano, a depender da força desses elementos que mencionei. É um número positivo frente à expectativa de recessão que muitos esperavam, mas é muito pouco para um país de renda média como o Brasil. É importante observar que, à exceção dos anos da pandemia, o crescimento do país se situou nessa faixa entre 1 e 2%, e observamos desemprego de longo prazo elevado e crescimento da pobreza, mesmo com aumento dos programas sociais. A situação é muito delicada e não podemos ficar satisfeitos porque rebaixamos nossas expectativas com relação ao desempenho do país.

A situação brasileira é melhor do que a americana para enfrentar o conflito armado? Por quê?

RB
O Brasil já retirou grande parte dos estímulos fiscais e monetários que foram necessários na recessão da pandemia. Já as grandes economias, inclusive a americana, ainda estão iniciando o processo de ajuste.

Nesse ambiente, desde março, há uma revisão altista das expectativas de mercado para a atividade econômica no Brasil. A melhora da atividade local ocorre a despeito da deterioração nas projeções do PIB nas principais economias, como a americana. Enquanto no início de março, segundo a Bloomberg, esperava-se crescimento nos países desenvolvidos e emergentes de 3,8% e 4,9%, respectivamente, os dados mais atuais (início de junho) indicam que as projeções estão mais que 1 p.p. abaixo das estimativas observadas no primeiro trimestre deste ano. A revisão baixista atinge as principais economias globais, com perda de fôlego em países como os Estados Unidos, China, Reino Unido, México e a região da Zona do Euro.

A melhora no desempenho do PIB brasileiro, por sua vez, vem acontecendo, em grande medida, pela retomada do setor de serviços e ampliação dos investimentos, o que tem se refletido na robusta recuperação do mercado de trabalho.

MP
O Brasil tem um problema de crescimento que precisa ser resolvido. Em geral, os economistas defendem reformas, mas não se comprometem com seus resultados. É preciso fazer uma autocrítica porque o desempenho não é satisfatório. No momento, a preocupação maior é com a intensidade da normalização monetária norte-americana porque os países emergentes sempre são muito afetados por isso. Há muito receio com os efeitos de uma elevação mais forte dos juros e, recentemente, o FMI apontou preocupações com o elevado nível de endividamento das empresas. No Brasil, o BC elevou bastante a taxa de juros para se precaver e se posicionou à frente desse processo, o que é positivo.

Até que ponto a guerra na Ucrânia, que deve se estender por um bom período, pode melhorar ou piorar a situação da economia brasileira? Quais seriam as nossas vantagens comparativas e as nossas fragilidades, considerando que economias fortes, como a americana, podem ter dias muito difíceis, como afirmou um banqueiro de investimentos?

RB
O conflito na Ucrânia traz risco que tem sido monitorado. Ao mesmo tempo, devido aos bons resultados fiscais, os novos marcos legais e o país ser produtor de commodities, tem havido redirecionamento de fluxos de investimentos internacionais, migrando dos países em conflito ou com políticas econômicas que não são sólidas para países considerados porto seguro.

O Brasil tem implementado política econômica focada em consolidação fiscal e reformas pró-mercado visando aumento da produtividade, o que atraí novos investimentos privados. Além disso, o Brasil tem expandido sua corrente de comércio, o que denota maior abertura econômica.

Dentre as vantagens comparativas, menciona-se que o Brasil tem implementado política econômica pelo lado da oferta, voltada para aumento da produtividade e sustentação do crescimento.  Além disso, conforme discutido acima, o Brasil já retirou grande parte dos estímulos fiscais e monetários da economia, enquanto muitas economias desenvolvidas estão iniciando esse processo.

MP
O Brasil é exportador de commodities e se beneficia desse conflito à medida que a demanda pelos seus produtos aumenta. Mas a guerra é recessiva na Europa, e isso é ruim para todos. A situação nos EUA também é delicada e sua economia deve perder fôlego, na melhor das hipóteses, com a elevada inflação e piora das condições financeiras. E ainda temos a China que alterna estímulos econômicos para recuperar a economia e uma política bastante restritiva de lockdown a qualquer sinal de aumento de casos de Covid. Assim, o efeito de curto prazo é bastante incerto, mas existem oportunidades para serem aproveitadas na medida em que a questão energética vai ser vista de forma mais estratégica a partir de outra configuração geopolítica. O Brasil tem muito potencial de crescimento nesse setor, a ser aproveitado na geração de novas fontes de energia, e pode ser visto como um bom parceiro para receber novos investimentos. Isso é algo a ser construído, e a configuração global é favorável a isso.

Observação: o signatário pôs à frente da coluna o Assessor Especial do Ministério da Economia para manter um justo reconhecimento. O ocupante de cargo público tem maior responsabilidade com o cidadão, pois cabe a ele engendrar os mecanismos para o desenvolvimento sustentável. Ele integra um governo que foi eleito de forma legítima por meio da urna eletrônica, um dos pilares da democracia brasileira. Pires, que já ocupou cargos em governo, conhece os espinhos da missão pública.

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