A economia do possível e as visitadoras de Vargas Llosa

O enredo do romance “Pantaleão e as Visitadoras” do escritor Mario Vargas Llosa traduz muito do Brasil atual e dos seus desencontros entre o mundo real da economia

O escritor Mario Vargas Llosa, um dos maiores em língua espanhola, laureado com o Nobel da Literatura em 2010, produziu um romance que se  transformou no filme “Pantaleão e as Visitadoras”, em 1999. O enredo traduz muito do Brasil atual e dos seus desencontros entre o mundo real da economia, as mazelas da política e as tentativas da área econômica em lubrificar a engrenagem para evitar o atoleiro em meio a um país ainda lento na vacinação.

No filme de Llosa, o capitão peruano Pantaleão Pantoja é encarregado de uma missão nada trivial: levar um grupo de prostitutas a Iquitos, na Amazônia, a fim de aliviar o sofrimento dos soldados, separados das mulheres e namoradas. Mas quando o capitão se encanta pela charmosa Colombiana, interpretada por Angie Cepeda, ele se vê entre os desejos individuais _ era um homem fiel à família _ e a necessidade de cumprir uma missão, no mínimo, exótica.

Para tornar a trama mais surreal, o capitão, bêbado, fecha negócio com a Dona Chuchupe, a proprietária do bordel. Há relatórios oficiais sobre a libido dos oficiais, descritos com toda a formalidade. O filme não pode ser visto apenas pelo lado da sátira, da veia cômica, mas nele se encontra uma crítica virulenta à burocracia  _ tema caro ao político Llosa  _ com requintes de manipulação da mídia, a  partir de um radialista sem escrúpulo.

Esse surrealismo, tão bem descrito no livro de Llosa,  alinhado com o pensamento de centro direita,  faz recordar dos desafios da economia. Diante da maior crise sanitária dos últimos 150 anos, é demagogia criticar a necessidade de o governo reeditar a PEC da Guerra, o que vai acelerar o auxílio emergencial, desde que venha acompanhada da reforma administrativa, a PEC Emergencial e a tributária. E dar início ao programa de privatização, um fracasso reconhecido pelo próprio ministro Paulo Guedes.

É preciso preservar os fundamentos fiscais para evitar a desconfiança dos investidores estrangeiros, no momento em que a bolsa de valores registra recordes de ofertas iniciais de ações (IPOs) e mesmo de follow-on. Há bolhas à vista? Talvez, mas a probabilidade é muito baixa de quebradeira, a não ser de companhias com baixo fundamento de mercado.

O bom ciclo das commodities empurra o Brasil, tal como os juros negativos, em que pese a necessidade de ajustes na taxa Selic, como já foi escrito nesta coluna.
 Da mesma forma, cabe ao governo transmitir os instrumentos de credibilidade no combate sem tréguas à Covid-19 para que a economia volte à normalidade, ainda neste semestre. As previsões da expansão do PIB estão condicionadas à eficácia da vacinação. Mas, em meio à pandemia, é uma covardia com o contribuinte qualquer aumento de imposto, como ocorreu com o ICMS de São Paulo.

Da mesma forma, não faz o menor sentido a tributação de dividendos no período em que mais de 1 milhão de empresas foram criadas apenas em 2020, quando o Brasil sai do paraíso dos rentistas _ os ricos  viviam às custas de uma taxa de juros de 13% ao ano na média do fim dos anos 1990 até meados de 2016 _ e vira o paraíso dos empreendedores. Ok, a saída dos pequenos empresários seria fugir para o Simples, em que a alíquota mais baixa é de 4%, desde que o faturamento anual não ultrapasse os R$ 4,5 milhões. Mas há inúmeras empresas de serviços que remuneram seus sócios por meio da distribuição de dividendos e têm faturamento superior àquele valor.

Trata-se de um setor que representa 75% do PIB. Estas seriam as mais punidas. Não seria mais prudente reduzir ou mesmo anular fundos setoriais que alimentam subsídios a diversos setores da atividade empresarial? 

A pandemia, disse Vargas Llosa, ex-candidato à presidência da República do Peru,  em uma recente entrevista à VEJA, “vai nos tornar menos arrogantes.

Quando este terrível capítulo finalizar (o escritor tem 84 anos), vamos estar mais dispostos a investir em pesquisa científica  e sistemas de saúde à altura, já que nenhum deles estava, em qualquer país”.

 Este terrível capítulo, que afetou o Brasil de forma dramática, nos fez esquecer de velhos e bons heróis, aqueles que se dedicaram à causa pública sem qualquer contrapartida. Nenhum economista da atualidade fez a devida referência a Octávio Gouvêa de Bulhões, como Eugênio Gudin, por ocasião da edição de “Ensaios Econômicos” (APEC Editora), 1972, no período mais duro do regime militar.

Ele destaca a reforma tributária com a estruturação do  atual Imposto de Renda, o IPI e o ICMS, o que não havia antes de 1964. “Duas outras notáveis contribuições dele foram a implantação do Banco Central, vencendo antigas resistências do Banco do Brasil como do próprio Ministério da Fazenda, hesitantes ambos em partilhar suas responsabilidades de controle monetário”, escreve Gudin.

Isto sem contar a legislação do mercado de capitais, que, reformulada ao longo dos tempos, permite que a nossa bolsa esteja no patamar das maiores do mundo.  O livro contém ensaios magníficos de economistas estrangeiros e de Edmar Bacha, Delfim Netto, Mario Henrique Simonsen, Carlos Langoni, entre outros. Ainda que com visões opostas, aceitaram o desafio de Gudin de homenagear o velho mestre Octávio Bulhões, que formou economistas dos mais diferentes matizes do pensamento. A ele também devemos a criação do BC independente, finalmente aprovada pelo Congresso Nacional.

O que o Brasil precisa nesse momento é da racionalidade de um Bulhões  e de uma oposição patriótica. O país não necessita de economistas, que defendiam teses liberais até 2018, e hoje são dominados por um ideário frágil como diria Milan Kundera, em seu clássico “A Insustenvável Leveza do Ser”.
 
Não custa lembrar Jorge Ben Jor:  tal como os alquimistas, os oportunistas de plantão estão aí à solta, prontos para fazerem oposição àquilo que acreditaram até três anos atrás.

“Eles são discretos/E silenciosos/Moram bem longe dos homens/Escolhem com carinho/A hora e o tempo/Do seu precioso trabalho”,
canta Jorge Ben Jor.

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