Em um momento de aperto financeiro, o Sistema S poderia dar a sua contribuição ao país.
O hoje presidente Luiz Inácio da Silva, como se sabe, foi um torneiro mecânico formado no Senai, nos anos 1960. Nessa época, havia austeridade nas entidades do Sistema S e controle rígido dos seus custos. Nenhum dirigente frequentava as páginas policiais dos jornais ou tinha problemas com os órgãos de controle. Hoje, há mais de uma centena de ações do Tribunal de Contas da União (TCU) contra confederações e federações, de acordo com a imprensa.
Em um momento de aperto financeiro, o Sistema S poderia dar a sua contribuição ao país, abrindo mão de um falso discurso desenvolvimentista e arrombando a porta de seus cofres bilionários, cortando dinheiro das chamadas verbas institucionais.
Os seus dirigentes agem como camaleões, que mudam de cor de acordo com o meio ambiente. No Rio de Janeiro, por exemplo, desde 1995, a Firjan é comandada por Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, eleito, à época, como o símbolo da renovação. Há outros casos espalhados pelo país e seria injusto fulanizar o empresário, filho do grande empreendedor João Pedro Gouvêa Vieira, sócio do Grupo Ipiranga e um grande patriota.
A verdade é que toda vez que um empresário – ainda que não tenha sequer um armazém de secos e molhados – menciona que o Brasil precisa de um plano estratégico de desenvolvimento, é melhor preparar o bolso. Trata-se de um dirigente sindical ligado ao sistema, que está pronto para aplicar um “royal straight flush”, a maior mão possível no pôquer. Algo para profissionais abastados. Neste caso, a política determina os fins desse empresariado que tem a tintura do ente pelego por melhores que sejam as suas intenções.
Quem não se lembra dos aplausos da Fiesp à MP 579/2012, com a qual Dilma Rousseff reduziu as tarifas de energia? Um camaleão dourado, Skaf chegou a fazer um “apelo patriótico” ao então presidente do Senado Federal, José Sarney, para acelerar a votação daquela MP. Coisas do Brasil varonil.
Três anos depois, Paulo Skaf, o presidente da mesma Fiesp, montaria um pato gigante em frente ao icônico prédio na Avenida Paulista, no clima da campanha de impeachment da presidente Dilma. A dificuldade em fechar as contas do governo já não eram mais problema dele.
Neste momento, o Brasil discute uma reforma tributária − que terá maior impacto no imposto sobre o consumo − e um plano de reindustrialização, soa estranho o apelo patriótico de outrora.
Há um contraponto, a bem da verdade: o sucessor de Skaf é o dono da Coteminas, Josué Gomes da Silva, filho de José de Alencar, que fora vice-presidente do atual mandatário da República.
A Coteminas enfrenta problemas financeiros, a ponto de atrasar os salários de seus funcionários em Montes Claros (MG). Josué tem o apoio de Lula e declinou, como se sabe, do cargo de Ministro da Indústria, Comércio e Desenvolvimento por dificuldades da sua empresa e do embate na Fiesp.
Aos números: o chamado Sistema S administra algo perto de R$ 35 bilhões, sem contabilizar o patrimônio imobiliário, digno de qualquer grande construtora. Joaquim Levy, ministro da Fazenda em 2015, e Paulo Guedes, ministro da Economia de 2019 a 2022, tentaram, sem sucesso, cortar cerca de 30% do orçamento para ampliar o ajuste fiscal.
Guedes é atacado sem piedade pela poderosa CNI (Confederação Nacional da Indústria), a mesma que metralhou Levy durante uma viagem do seu presidente, Robson Braga de Andrade, ao México. Os dois economistas esbarraram nos lobbies encastelados nos Três Poderes da República, especialmente no Legislativo.
No governo Temer, tentou-se enquadrar essa máquina de fazer dinheiro, mas a pressão empresarial falou mais alto. Foram rejeitadas todas as emendas que vinculavam o orçamento do sistema S ao da União, o que seria racional e daria maior transparência aos recursos.
O dinheiro das entidades tem como origem a cobrança de contribuições de empresas, que variam de 0,2% a 2,5% das folhas de pagamento e visam à qualificação profissional. As entidades alegam que a sua principal fonte de recursos é a contribuição das empresas, de origem privada, fora, portanto, da administração pública. As mesmas empresas o fazem, entretanto, por uma obrigação e não por uma decisão autônoma. Não é diferente de um imposto, só muda a forma da chamada contribuição espontânea.
Ocorre que os milhares de contribuintes não sabem que algumas dessas entidades têm apartamentos em áreas nobres das grandes capitais com vista para o mar ou para as montanhas. Paisagem idílica. Guardam semelhanças com as famosas dachas, as mansões do comissariado soviético, século passado. Basta entrar nas enormes salas dos presidentes dessas entidades e de seus principais assessores.
O governo Lula, tão preocupado em promover um equânime ajuste nas contas públicas, que beneficie os 32 milhões de brasileiros que vivem em uma situação de insegurança alimentar, poderia pedir ajuda do sistema S, a começar pelos salários elevados de muitos dirigentes, que beiram os R$ 100 mil, noves fora benefícios generosos e viagens internacionais.
É possível, calculam especialistas, uma arrecadação de R$ 6 bilhões por ano, sem afetar a portentosa engrenagem.
Registre-se que os eventos internacionais − basta uma rápida conferida nas redes sociais − são pautados por um trabalho árduo e profícuo: muito lazer em cidades como Paris, Londres e Nova York. Tudo em nome do desenvolvimento social. Algumas entidades mantêm o clube do uísque às custas dos contribuintes; e outras oferecem vinhos raros para os comensais do andar de cima.
A vida é uma festa para alguns dirigentes do Sistema S. Evidente que há exceções, os abnegados que creem no poder de transformação, tal como foi originado o mecanismo que produziu e produz profissionais para a indústria e o comércio. Seria uma blasfêmia falar o contrário.
A viúva agradece. O Brasil tem pressa.
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